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O início de uma igreja ministerial2021-05-19
Francisco parece partilhar alguns traços dos seus antecessores, como a simpatia e espontaneidade de João XXIII e a lucidez e espírito reformista de Paulo VI. Dois pontífices, como sabemos, que estiveram na génese do Concílio Vaticano II e de um conjunto significativo de reformas. Esta palavra não é casual. Em 2005, Bento XVI explicava que hermenêutica da reforma significa “renovação na continuidade do único sujeito-Igreja”. Em Igreja é, por isso, mais correcto falar-se de reforma do que de ruptura. Este tem sido o caminho empreendido por Francisco nos últimos meses. Para quem ainda não se deu conta, o Papa está a reformar a Carta Apostólica Ministeria Quaedam, escrita em 1972 por Paulo VI e que, muito sucintamente, regulamenta os ministérios na Igreja. O primeiro passo foi a publicação do motu proprio Spiritus Domini, com o qual abre o ministério do leitorado e acolitado a todos os baptizados, sem distinção de género. Paulo VI já tinha dado um avanço significativo ao reformar as chamadas “ordens menores”. Criou então os ministérios laicais que têm como fundamento teológico o baptismo. Subsistiu apenas uma reserva: “A instituição do leitor e do acólito, segundo a venerável tradição da Igreja, é reservada aos homens”. Esta norma, plasmada no cân. 230 § 1, foi agora alterada pelo Papa Francisco, eliminando-se a referência ao sexo masculino. O segundo passo, tomado no passado dia 10 de Maio, foi a instituição do ministério do catequista. O objectivo é, tal como o documento assinala, preparar cristãos que sejam competentes na arte da transmissão da fé e, ao mesmo tempo, credíveis testemunhas da fé. São dois elementos indissociáveis. Não seria benéfico para ninguém dar-se o caso de termos cristãos pedagogicamente muito competentes mas que não acreditam no que estão a transmitir e vice-versa. Uma coisa parece ser clara no documento do Santo Padre. Caminhamos para um tempo onde teremos catequistas, tal como hoje conhecemos, e, ao mesmo tempo, um grupo mais reduzido que será instituído neste ministério. Seria ingénuo pensar que todos os catequistas serão futuros ministros. O que ficou por definir neste motu proprio? O rito de instituição, o itinerário formativo e os critérios de acesso ao ministério. Um trabalho a ser executado pela Congregação para o Culto Divino (rito de instituição) e pelas várias conferências episcopais (itinerário formativo). Falta apenas um último passo. Alargar o leque dos ministérios laicais ao serviço da Igreja. Diz ainda Paulo VI no seu motu proprio que “nada impede que as Conferências Episcopais peçam outros [ofícios] à Santa Sé, que por razões particulares acreditem ser necessários ou muito úteis na própria região”. E de seguida dá o exemplo do Ostiário, do Exorcista e do Catequista. Foi este o trabalho do Papa Francisco. Iniciar a reforma do documento de Paulo VI, dando efectivamente à Igreja três ministérios universais: leitor, acólito e catequista. Mas muitos outros poderão surgir. Creio ser esta a intenção da Conferência Episcopal Portuguesa que, no passado dia 15 de Abril, anunciou estar a fazer uma reflexão sobre ministérios laicais numa Igreja ministerial, a qual continuará em processo sinodal junto das instâncias diocesanas e das comissões episcopais”. Como o Papa Francisco e Paulo VI falam na necessidade de definir critérios estruturantes para se falar em ministérios, aconselho tanto a leitura de Bernard Sesboüé, como de Yves Congar. Segundo Congar, para existir um ministério é necessário que este tenha um objectivo definido, que seja de importância vital, que comporte responsabilidade e não seja delegado, que seja reconhecido pela Igreja local e, por fim, que tenha uma duração estável. São critérios preciosos para se discernir sobre a oportunidade um ministério. O Papa Francisco deu, assim, um impulso significativo para a edificação de uma Igreja ministerial. Mas este é um trabalho que requer o esforço e o compromisso de todos. É, por isso, a hora de todos colaborarmos neste grande projecto de reforma.